Não é tão incomum quanto pode fazer parecer à primeira vista, verificarmos associadas determinadas coisas a um campo particular, ou mesmo único de registros estritos de significação. Ao se falar em nutrição, por exemplo, em larga medida de forma imediata, vê-se remeter muito propriamente a aspectos de alimentação, elaborações de dietas, estudos sobre as propriedades de determinados alimentos, ou à profissão, propriamente, do profissional nutricionista, de maneira que, é o que ora está sendo posto em questão, tal palavra pode entrar de forma autêntica em outros campos de registros, sem de longe sequer, perder o seu sentido, o seu lugar original, do ponto de vista do que isto quer dizer, do que isso enfim significa.
Nesse caso, a palavra “nutrição” pode ser remetida, salvaguardada à plenitude de sua extensão semântica, a um contexto de uma relação afetivo-amorosa entre pares, qual seja o fundamento da manutenção de uma relação digna aos dois: sua (boa) nutrição. Nutrir é alimentar – em cujo ato subjaz, inequivocamente, alimentar a própria vida. As pessoas não são alimentáveis apenas pela via dos mantimentos, pois ninguém é apenas organismo (o próprio corpo, diga-se, se alimenta em grande medida de coisas que não se põem em pratos). O amor é o alimento fundante da experiência de ser humano. Fora do campo do amor, estaríamos a falar de desertos, vazios e do nada como marcas de uma determinada experiência subjetiva, no processo de construção de ser quem se é, enquanto sujeito de desejo, tende neste o elemento balizador e, portanto, fundamental das identificações de um sujeito no transcurso de sua existência.
Alguém que venha a ser reconhecidamente analfabeto, é alguém para quem a oportunidade de aprender em um nível básico sobre o seu vernáculo não se fizera cumprir, de maneira que, se está a tratar de uma espécie de inanição de informações/conhecimento, por parte de alguém, nesta seara. O analfabetismo e a inanição são males radicais.
Nos dias que correm, vê-se o analfabetismo estendido na tessitura social, de diversas formas. Pessoas que são, por vezes, amplamente desconhecedoras de si, do outro, e da vida, em si mesma. Desde os primórdios da humanidade, pessoas testificam em seu cotidiano a marca diferencial de uma vida experimentada a partir do conhecimento. A história do homem é a história da necessidade de construção de conhecimento para a vida individual e social, e dos efeitos deste quando já adquirido e aplicado à vida.
No tocante a princípios de convivialidade, por exemplo, tão precariamente estabelecidos no mundo contemporâneo, estamos diante de um cenário que, incontáveis vezes, abre uma deflagração de um estado cujo diagnóstico remete, de forma inescapável, a uma profunda miserabilidade da condição humana, tal como manifesta nos dias que ora vivemos.
Se o conhecimento lança luzes, é por escuridão que podemos nos referir ao mundo humano no presente tempo. Tal escuridão encontra as suas estruturas de pilares na ignorância, que abre caminhos para um processo de deformação/má formação de concepções sobre coisas de primeiríssima relevância para o viver, e o seu aspecto, tão presente, de conviver. Daí se preconcebe (ou mal concebe), se prejulga (ou mal julga), posto que o princípio da condição de ver estaria prejudicado desde a partida, obstaculizando a passagem de luz, condição de ordenação à existência, a reboque da falta de respeito à liberdade, discernimento sobre o princípio das diferenças entre semelhantes, e a trava da intolerância como mal que se desdobra em ramificação.
Se é difícil ao homem definir, colocando em palavras, o que é o amor, proponho, portanto, uma modificação do mandamento bíblico “amai o próximo como a ti mesmo”, para “respeitai o próximo como a ti mesmo”, qual seja a via mínima para uma convivialidade nutrida em um nível praticamente suficiente, distanciando de nós a vergonha de um analfabetismo no que diz respeito à maneira de se conduzir nas mais variadas relações interpessoais.